As Crônicas da Peregrina - O Mundo das Almas - parte 10
- Débora Novaski
- May 7
- 10 min read

Aquele lugar cheirava morte, e finalmente caí em um monte de entulhos. Fez um barulhão, como se fosse um monte de estralo estridentes.
-"Aí meu corpo!" - eu resmunguei. Não era um solo firme, mas sim, várias coisas que possuía pontas e que eram densas e ao mesmo tempo, soltas... Muito estranho. Na tentativa de me levantar, era difícil permanecer em pé devido à instabilidade. Com uma chama de fogo em minhas mãos eu iluminei ao meu redor.
-"Essa não!! Isso aqui..." - peguei um punhado em minhas mãos completamente horrorizada -"São ossos!!!" - eu disse ainda abismada contemplando milhares e milhares de ossos... Jogados...Todos misturados... Soltos... Um oceano de ossos.
Com dificuldade tentei dar alguns passos e quanto mais eu caminhava, mais não enxergava o fim. Será que esses ossos pertencem àquelas almas? Parece que o Laich tinha razão, esse foi um péssimo plano... Não sei como ajudar... Eu tocava naqueles ossos secos e não havia vida nem energia.
Eu me lembrei o que o Embaixador Consolador me disse sobre libertar as almas que foram injustamente condenadas à morte e caminham, tropeçando, para o lugar onde serão mortas... Talvez eu tenha entendido errado... Essas almas não caminham... Nem tropeçam... Já estão mortas!! Como pode haver salvação para esses ossos secos? Eu acho que devo ajudá-las antes de tropeçarem e impedir que venham parar nesse lugar.
Lágrimas de compaixão e dor escorriam pela minha face, meu coração estava inconsolável.
-"Como poderei ajudar essas almas? Eu não faço ideia... Está fora do meu alcance. Eu até trocaria minha existência por elas...Mas sou pequena, apenas resgataria uma ou duas... E são milhares!!!". E em meio aos prantos, uma voz poderosa ecoou por aquele Vale de Ossos Secos, dizendo:
-"Será que esses ossos podem ter vida de novo?" - eu senti que todos os seres da Segunda e da Primeira Dimensão tremiam ao ouvir aquela voz... Se escondiam de sua presença... Como se isso fosse possível. E de novo aquela voz ecoou repetindo a mesma pergunta:
-"Alma mortal, será que esses ossos podem ter vida de novo?" - eu pensei um pouco...
-"Senhor, meu Rei Elohim, só tu sabes se podem ou não" - respondi me lembrando dos Ensinamentos que "para todo aquele que Nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna".
-"Profetize para esses ossos. Diga a esses ossos secos que deem atenção à mensagem do Rei. Diga que o Rei Elohim, o Pai Criador, está lhes dizendo isto: "Eu porei respiração dentro de vocês e os farei viver de novo. Eu lhes darei tendões e músculos e os cobrirei de pele. Todos saberão que Eu Sou o Senhor!".
Enxuguei as minhas lágrimas, levantei minhas mãos e profetizei conforme a ordem que havia recebido. Enquanto falava, comecei a ouvir um barulho. Bem baixinho... Continuei a falar e o barulho foi aumentando gradativamente. Eram os ossos se ajuntando uns com os outros, cada um no seu próprio corpo e lugar. Uma visão muito macabra. Os ossos se cobriam de tendões e músculos e depois de pele. Porém, não havia respiração nos corpos. Após isso, o Rei Elohim me disse:
-"Alma mortal, profetize para o vento. Diga que o Rei Elohim, o Pai Criador está mandando que ele venha de todas as direções para soprar sobre esses corpos mortos a fim de que vivam de novo!".
E assim eu fiz. Profetizei para o vento conforme a ordem que me foi dada. E o vento começou a soprar de todas as direções e trouxe com ele todas as almas translúcidas perdidas no Vale da Sombra da Morte. Cada alma retornou para seu respectivo corpo e começaram a respirar.
Eu contemplava a caixa torácica dos corpos se expandindo com o ar. Os olhos se abriram e cada corpo ficou em pé novamente. Uma multidão de milhares e milhares... Todos com vida. Aquele Vale de Ossos Secos se encheu de Esperança.
O meu coração transbordava de alegria ao ser testemunha ocular de tamanho milagre e um homem entre a multidão, se aproximou de mim e em alta voz ele perguntou:
-"Como se chama Alma mortal?".
-"Ainda me chamo de Shey...Mas um dia receberei um novo nome. Meu nome espiritual. Sou uma das crianças dos Sete Espíritos do Rei Elohim. Sou a Criança Número Cinco. E qual é o seu nome?" - e toda a multidão prestava atenção em cada palavra, em silêncio absoluto.
-"Me chamo Edév, querida Shey" - colocando a mão em seu coração e inclinando um pouco seu tronco para frente, prosseguiu seu discurso apontando para a multidão:
-"Nós éramos almas já condenadas à morte. Largadas. Esquecidas. Indignas de perdão. Não merecíamos uma chance. Muito menos compaixão. Uma multidão de ladrões e assassinos. Corrompidos pela violência e por sede de vingança. Viciados e escravizados em espalhar o mal por todas as dimensões. O Rei Elohim já se mostrou misericordioso nos tornando um monte de ossos secos. Mas por sua coragem e por seu amor incondicional, superabundou a graça dele sobre nós hoje. Não sei como expressar minha gratidão a você, querida alma mortal Shey, que se mostrou tão pura e genuína por trocar sua única oportunidade de sair desta Dimensão por nossas vidas" - então ele se virou para multidão e continuou:
-"Antes eu era escravo das trevas. Mas agora sou escravo do amor. Servirei com minha existência a Alma Mortal Shey, que um dia ganhará um novo nome. Seu nome espiritual. Sou parte do seu Exército!!" - dito isso, ele ajoelhou e colocou sua mão direita em seu coração como sinal de juramento.
-"Por favor Edév, se levante... Eu fico muito feliz com suas palavras, mas não preciso que me sirva... Sério... Nem preciso de um..." - e antes mesmo de terminar, toda aquela multidão de milhares e milhares se ajoelharam e gritavam em uma só voz:
-"Antes escravos das trevas. Agora escravos do Amor!".
-"Essa não... O que todos estão fazendo? Vocês não são mais escravos!! Vocês são livres!! Almas livres!! Não me devem nada...Vamos!! Se levantem!!" - mas era completamente inútil.
-"Somos almas livres agora! Escolhemos lutar todas as suas batalhas e dar a nossa vida pela sua!!" - bradou Edév e toda aquela multidão.
-"Parece que você ganhou um grande Exército!" - disse uma voz forte e grave logo atrás de mim.
-"Mas eu não preciso de um Exército!! Sou apenas uma Criança que pretende promover a paz e não... Espera aí... Quem está falando?" - eu disse enquanto me virava na direção daquela voz.
-"Muito Prazer Criança Número Cinco! Eu sou o Arcanjo Uriel, o responsável pelo submundo e o Tártaro, onde está o Hades".
O Arcanjo Uriel é muito alto e forte, sua armadura é de coloração vermelha e dourada. Seu par de asas e seus olhos são como chamas de fogo. Ele possui uma coroa de fogo com 7 pedras Rubis, seu cabelo é comprido e castanho escuro, em sua mão direita segura a Espada de Rubi Flamejante e em sua mão esquerda, segura o Livro dos Vivos.
Então, ele abriu o Livro dos Vivos e disse:
-"Ninguém deixa esse lugar sem minha permissão. Visto que agora todos estão vivos novamente, vocês não pertencem à essa Dimensão. Você, querida Alma Mortal Shey e todo o seu Exército estão liberados para voltarem para o Reino dos Céus pelo portal que abrirei. Que a graça e paz do Rei Elohim os acompanhe!" - e após falar isso, um portal muito grande de coloração vermelha e dourado se abriu no meio do Vale.
Toda aquela multidão de milhares e milhares começou a marchar para dentro do portal. As Legiões estavam ao redor, só esperando uma oportunidade de fuga.
-"Olhe!! As Legiões estão se aproximando!" - eu disse assustada.
-"Não se preocupe com isso Número Cinco. Agora vá!! Depressa!! Eu cuido das Legiões!! Como eu disse... Ninguém saí sem minha permissão!!" - então seu corpo de Arcanjo com uma pele brilhante e reluzente se transformou completamente em pedra Rubi. Impenetrável. E assim como sua Espada de Rubi Flamejante, em fogo puro ele se tornou e um círculo de fogo protegia o portal. Enquanto eu entrava pelo portal, ouvia sua voz bradando:
-"Eu sou o Arcanjo Uriel!! Nenhuma Legião vai sair dessa Dimensão!! Shey... Diz para o Arcanjo Michael que seu irmão... Vamos dizer... Mandou lembranças nada amigáveis..." – e deu uma gargalhada, ainda não conhecia o Arcanjo Michael, parecia que estava em uma Missão no Jantar de Boas-Vindas... Irmão? Ele tem um irmão gêmeo? Que está no submundo?
***
O portal que o Arcanjo Uriel abriu nos direcionou diretamente para o Reino dos Céus bem no meio do jardim no Palácio Real, de frente para a janela do meu quarto. Imagine a reação de todos. De repente do nada, uma multidão de milhares estava bem no meio do Palácio Real causando o maior alvoroço entre todos os moradores. Avistei o Borzi quase surtando com sua vara de medir:
- “Quem são vocês? Como chegaram até aqui sem permissão? São muitos para medir...” – pelo visto eu estava bem encrencada por fazer algo sem permissão. Fui em sua direção e tentei me explicar:
- “Então Borzi, essa multidão de milhares está aqui por minha causa. Eu sou a responsável por estarem aqui nesta dimensão sem permissão”.
- “Mas como você conseguiu que todos entrassem pelos portões da Grande Cidade Santa sem ser barrada por nossos Guardiões?” – me perguntou muito curioso.
- “Não passaram pelos portões... Na verdade, o Arcanjo Uriel abriu esse portal e nos direcionou para cá. Agora que todos vivem novamente”.
- “Nossa que interessante!! O Arcanjo Uriel?? Mas o Arcanjo Uriel é o Guardião da Dimensão mais Baixa...” – e antes de terminar a frase, no meio da multidão, apareceu Laich e correndo veio me abraçar.
- “Shey!! Até que enfim você voltou!!” – ele me abraçou muito forte e continuou “Achei que nunca mais a veria!” – e sua voz estava falha e eu respondi:
- “Laich vai dizer que você está chorando? Eu também pensei que não voltaria, mas aqui estou quebrando todos os protocolos mais uma vez” – disse correspondendo seu abraço.
- “Você conseguiu!! Você salvou aquelas almas!! Nem posso acreditar” – disse Laich.
Antes mesmo de começar a contar o acontecido para Laich, o Mestre Orelyam apareceu no Jardim em um ar de mistério, suas vestes pareciam bem mais reluzentes, ele contemplava a multidão e disse:
- “Criança Número Cinco você voltou e trouxe muitos. Sua missão era igual ao das outras crianças, mas decidiu ir além. Surpreendente. Parabéns!! Muitos almejam o que você conquistou”.
- “Muito obrigada Mestre Orelyam, mas eu não conquistei nada” – respondi muito séria.
- “A Shey está certa Mestre Orelyam. Ela não nos conquistou. Por nos deixar livres, estamos aqui para lutar por ela. Somos seu Exército” – disse Edév.
- “Você fez algo sem permissão, porém muito corajoso. Que o Príncipe da Paz julgue esta causa” – respondeu o Mestre para mim.
.
- “Um exército?” – perguntou uma voz forte e poderosa, com exceção as Crianças, todos ali presente prestaram reverência aquela voz que não era do Príncipe da Paz, colocavam a mão direita no lado esquerdo do peito.
O dono daquela voz era um Arcanjo no estilo do Arcanjo Uriel, só que muito mais alto, poderoso e forte, esse tinha 4 asas. Com seus cabelos dourados até a cintura, sua armadura de cor Azul Marinho, segurava em sua mão direita seu capacete envolto com pedras de safira e em suas costas havia um escudo dourado e duas espadas. Uma espada igual à do Arcanjo Uriel, do tipo Flamejante e a outra idêntica à minha, a Espada da Verdade. Ele não estava no Jantar de Boas-vindas. Logo, esse Arcanjo era o Comandante do Exército Celestial. O Arcanjo Michael.
- “Quem é o Comandante? Não dei autorização para nenhum exército entrar no Reino dos Céus” – disse em um tom mais grave. Claro que todos olharam para mim. Droga... Estou muito encrencada. Respirei bem fundo e me apresentei dizendo:
- “Parece que sou eu” – ele se aproximou e parecia muito mais forte e aterrorizante de perto. Ele se agachou e olhou para mim, seus olhos eram dourados e brilhavam como o Sol. Seu olhar... Assustador.
- “Mas você é uma criança!” – disse completamente desconfiado em um tom debochado.
- “É... Eu sei... Prazer em te conhecer Arcanjo Michael, meu nome de alma é Shey, sou uma das Crianças dos Sete Espíritos do Rei Elohim. A Número Cinco. E antes que eu me esqueça... Seu irmão gêmeo mandou lembranças nada amigáveis para você. Não sabia que tinha um irmão....” – e antes de terminar a frase, o Arcanjo Michael me interrompeu.
- “Muito prazer Número Cinco, eu sou o Comandante do Exército Celestial. Sabe o que isso significa? Que você só deve responder o que te perguntar de forma clara e direta. Nada de perguntas e nem comentários desnecessários...”.
- “Mas foi o Arcanjo Uriel que pediu para te dar esse recado. Sou apenas uma porta voz” – respondi olhando bem dentro de seus olhos. – “Aliás, foi ele mesmo que abriu um portal para nos tirar do Vale dos Ossos Secos. Eu não quero um Exército. Nunca quis. Como você mesmo disse “sou apenas uma Criança”. Mas eles se autodeclararam me servirem...”.
- “Hum... Você esteve com o Arcanjo Uriel no Vale dos Ossos Secos? Então este exército são os Assassinos, Enganadores, Perturbadores, Ladrões e Disseminadores da maldade e crueldade nas diversas dimensões espirituais que escolheram ser um instrumento nas mãos de meu irmão?” – me perguntou só que agora seus olhos não estavam mais dourados... Se transformaram em diamantes.
- “Isso mesmo” – respondi tremendo por dentro.
- “Essas almas já estavam julgadas e receberam sua sentença. A Morte Eterna. O próprio Exército Celestial sob meu comando prendeu e capturou a maioria dessas almas e foram julgadas de forma justa perante o Tribunal do Rei Elohim. Apesar de você ser a Criança Número Cinco, não tem poder e nem autoridade para dar Vida novamente” – disse muito sério.
- “O meu coração se encheu de compaixão ao ver e ouvir o pedido arrependido de ajuda enquanto atravessava o Vale da Sombra da Morte. Eu tinha que fazer algo, pois o próprio Embaixador Consolador me disse para libertar as almas que injustamente caminha para morte, e assim eu fiz. Ao invés de voltar junto com as outras Crianças para o Reino dos Céus, desci no abismo para libertação. Foi o próprio Rei Elohim que me deu autoridade para profetizar sobre aquele vale sem esperança, e eu obedeci. E conforme a Sua palavra que ecoava de meus lábios, o vale se encheu de Vida novamente” – expliquei.
- “Se o Rei Elohim confiou em você essa missão significa que possui uma alma nobre. Você por acaso sabe liderar um exército?”.
- “Claro que não. Eu só desejo ser Mestre na Lei do Rei Elohim, não uma guerreira e muito menos líder de um exército... O que posso fazer?”.
- “Esse Exército tem autorização para permanecer no Reino dos Céus enquanto durar seu treinamento. Quando você retornar para o Mundo das Almas, te acompanharão e permanecerão na Quinta Dimensão durante seus Ciclos de Peregrinação. Todos têm permissão para te proteger e lutar suas batalhas e guerras” – decretou o Arcanjo Michael.
- “Lutar minhas guerras? Não pretendo me envolver em nenhuma...”. O Arcanjo Michael colocou a sua mão em meu ombro direito, com seus olhos dourados novamente e um sorriso espetacular disse:
- “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos do Rei Elohim”. Dito isso, o Arcanjo Michael dispensou o exército, Borzi seria o responsável para indicar o novo lar, a nova casa dos que vivem novamente.
Comments