As Crônicas da Peregrina - O Mundo das Almas - parte 9
- Débora Novaski
- May 7
- 8 min read

Na metade da ponte já conseguíamos ver o fim.
-"Olha!! Estamos quase chegando!!" - exclamou Laich. E eu parei de andar. Simplesmente parei. Não conseguia dar mais um passo. São milhares de vozes clamando por ajuda. Não posso ignorar. Não posso sair dessa Dimensão sem socorrê-las.
-"O que aconteceu? Por que paramos?" - perguntou Mesichah.
-"O que foi Shey?" - me perguntou Laich colocando sua mão esquerda em meu ombro. Me virei e disse olhando em seus olhos:
-"Laich, você estava certo quando disse que não era a nossa missão... Pois é a minha...".
-"Do que ela está falando?" - perguntou Taqsar sem entender nada.
-"Ah não Shey... Não vai me dizer que você está pensando..." - e antes mesmo de terminar a frase, eu entreguei o Cajado para ele e disse:
-"Eu não posso ir sem fazer nada. Eu preciso fazer algo!! É mais forte do que eu, não consigo resistir. Tome o Cajado e leve todos para fora desse lugar".
-"Mas fazer o que Shey? Não posso deixar você fazer isso. Não posso deixar você voltar!! Você não precisa fazer nada além de nos guiar a sair desse lugar!" - e entregou o Cajado de novo para mim.
-"Eu não tenho escolha... E é exatamente isso o que vou fazer!!".
-"Não Shey!!! Por favor!!" Vamos voltar para o Reino dos Céus e pensar em algo juntamente com o Mestre Orelyam!!" - mas era tarde demais... Eu já havia pulado da ponte. E todos gritavam:
-"Shey!! Não!!! Shey!!" - e então respondi sorrindo e acenando:
-"Eu não sou apenas a Shey!! Eu Sou a Criança Número Cinco!!" - e fechei meus olhos em meio ao abismo... E de repente... Tive uma visão.
ANO 5774
Quinto Ciclo de Peregrinações
Essa semana foi mais do que especial, pois foi uma semana de purificação e consagração. Fiz jejum a semana toda. Estou me sentindo muito sensível e conectada ao mundo espiritual. Claro que por ser muito nova o combinado com minha mãe era ficar de jejum apenas na parte da manhã, onde pularia o café. Geralmente, por ser um período menor, eu não como nada e nem bebo água.
O jejum nunca foi uma prática que fazia por "obrigação" ou por religiosidade. Sempre partiu de mim mesma, desde muito pequena, buscar a presença de Deus. A maioria das pessoas não me compreendem... Acham em suas mentes que sou "pressionada" ou "oprimida" pelos meus pais... Uma grande bobagem. Eu não falo nada... Até porque não preciso ficar me justificando e muito menos provando algo para ninguém, seja membros da minha família, amigos ou colegas.
Quantas vezes eu já ouvi "Ah, você não faz isso porque sua religião não permite!". Mas que religião??? Eu não vivo para nenhuma religião. O problema é que as pessoas querem me encaixar em suas caixinhas de sapatos tamanho 33, em suas mentes pequenas. E se eu faço ou deixo de fazer algo é simplesmente porque eu quero! Porque não preciso! E isso é poder. Sou verdadeiramente livre!! Bem diferente dessas pessoas que pensam e falam esse tipo de "discurso". Alguns me perguntam:
-"Como você não responde ou fica brava Peregrina?" - é porque geralmente eu classifico esse tipo de "afirmação" como um atentado intelectual, não tem lógica, elas nem sabem do que estão falando... Logo, não me importo. Eu sei quem eu sou, qual é a minha missão e propósito aqui nesta Terra.
Muitas pessoas traem a sua própria consciência só para se enquadrar, ser aceito, se encaixar em um determinado grupo, classe social e por aí vai... E eu, definitivamente, não sou essa pessoa. Antes só do que mal acompanhada. Eu nunca estou sozinha e odeio esses padrões da sociedade. Pretendo não me encaixar em nenhum. E não... Eu não sou uma rebelde sem causa... Até porque... Quem disse que eu acredito em causas? Eu não. Eu acredito em propósito. Alvo. Missão.
Será que as pessoas sabem a diferença entre viver por uma causa e viver por um propósito? Será que ao menos refletem sobre isso? Acredito que não... Bom, pelos menos os que são da mesma faixa etária que eu, com toda certeza não refletem sobre essas questões. O que me torna uma pessoa muito esquisita. Eu me sinto uma alma de mil anos vivendo em um corpo adolescente... Confesso que é muito estranho.
***
Em uma Quinta a noite de Maio, o clima estava esfriando e meio chuvoso, pensei comigo: "Amanhã é o último dia de jejum!". Estava muito feliz, nada de estranho tinha acontecido na semana. Que milagre!! Nenhum sonho. Nenhuma revelação do futuro. Nenhuma sensação. Depois que fiz aquela oração há mais ou menos 2 anos, eu não tive mais sensações tão intensas. Então, agradeci a Deus por essa razão, pois ouviu e atendeu esse pedido.
Lá pela madrugada, algo aconteceu. Estava bom demais para ser verdade... Acordei desesperada e tremendo de medo. Uma presença maligna muito poderosa tinha me enviado uma mensagem em sonho. A sua vontade era me destruir por completo e pelo desfecho do sonho, parecia que teria êxito.
Eu estou bem confusa. A mensagem foi clara. Mas a forma, como aconteceria, os eventos, sinais e detalhes não era nada claro. E isso me assusta um pouco, pois na maioria das vezes, eu saberia exatamente os fatos, os sinais... Como. Onde. Quando. A razão. E isso significa que era algo que estava fora do meu controle humano e alcance espiritual.
Pela manhã, fui a escola como o de costume. Estava muito fraca pela experiência de madrugada, mesmo assim fiz o jejum de encerramento. No final da tarde quando minha mãe chegou do trabalho, pedi para conversar com ela em meu quarto a sós. Ela prontamente foi ao meu quarto, com aquele ar meio desconfiado, preocupada, tentando manter a calma me perguntou:
-"Então Peregrina, o que você deseja me contar?".
-"Sabe... Essa noite eu tive um sonho, mas não foi qualquer sonho. Era uma mensagem sobre algo do futuro. A mensagem é clara, mas os fatos não são..." - respondi um pouco sem jeito.
-"Me conte o sonho".
-"Eu vou contar. Mas não quero que você fique muito preocupada, me promete?".
-"Hum... Isso eu decido".
-"Então, o sonho é referente a mim mesma...".
O sonho começou assim: Eu me via andando em um caminho, como se fosse uma estrada. Eu estava em uma jornada. Na minha jornada. Neste caminho havia árvores, as ruas eram largas, mas não havia mais ninguém. Somente eu. Nem pessoas, nem animais... E tudo era preto e branco, não tinha cores também.
E de repente, um ser espiritual semelhante ao Minotauro, metade homem e metade cavalo começou a me perseguir. Ele segurava em sua mão direita uma lança, o seu rosto era meio homem e meio touro, não havia expressões faciais. Mas o seu olhar... Era muito compenetrado e cheio de ódio. Seu foco era me destruir.
Eu comecei a correr e ele também. O caminho ficou mais estreito e não havia mais árvores. E quanto mais eu corria, mais esse ser espiritual crescia, e mais veloz ficava. Até o ponto que ele me alcançou. Ele cresceu em tamanho, em força e poder, ocupando todo o caminho. Ele estava gigante e eu fiquei muito pequena e não conseguia mais correr dele. Não tinha escape. Então, acordei.
A Mãe ouviu tudo atentamente e seus olhos encheram de lágrimas, pois havia entendido a mensagem.
-"Eu não sei o que vai acontecer, mas irá acontecer. Acho que devemos pedir oração para mais pessoas, pois é uma força que vai além de nós duas" – disse.
-"Sim, minha Peregrina. Vamos pedir reforço em oração e entrar em um propósito por sua vida. Eu não aceito que nada aconteça com você! Deus está providenciando um escape!". E dito isso, ela orou por mim naquele momento pedindo por proteção.
-"E se você sentir, ver, sonhar... Qualquer coisa, o mais simples sinal, você me avisa imediatamente!!" - falou com sua voz meiga e séria.
-"Eu aviso!" - respondi torcendo para não acontecer absolutamente nada.
***
Naquele momento eu abri meus olhos e tentei respirar. Que dor em meus pulmões, parecem que eles estavam a colabar. Não consigo respirar. Mais uma vez... Eu não consigo respirar. A dor que sentia era indescritível. Mais uma vez... Após a terceira tentativa, o meu corpo se acostumou com a falta de ar. E fiquei lá, olhando fixamente para os outros peregrinos que tentavam me ajudar dizendo:
-"Tente mais uma vez Peregrina!".
-"Logo volta ao normal. Não desista!" - eu não havia desistido, apenas aceitado o fato que não conseguia respirar, e isso me manteve calma.
Após uns minutos aguardado se meu quadro melhorava, eu já muito fraca e com muito esforço falei com uma voz rouca:
-"Chamem os outros... Não sei por quanto tempo vou aguentar" - ainda estava consciente mesmo sem respirar.
Passou mais alguns minutos até todos chegarem, pois o local onde estava era bem retirado. Minha mãe ao me ver foi aos prantos me abraçar. E eu simplesmente não sentia seu abraço. Bem provável esse será o último abraço e não sinto nada devido ao estado de choque.
Após uma semana do meu sonho... Eu realmente não esperava por essa situação. Eu via alguns desesperados, chorando e outros tão quietos e perplexos como eu. Não havia nada para fazer... Chamar ajuda? O local era muito longe, até um socorro chegar, no mínimo demoraria meia hora. Nada mais para fazer... Somente orar à Deus e esperar por um milagre.
-"Estou perdendo a visão" - falei bem baixinho. A dor de saber que aquela seria a última imagem de todos era inigualável. Todos chorando e desesperados... Não era a lembrança que gostaria de ter.
-"Não vejo mais nada" - e fiquei em silêncio, apenas ouvindo. Era completa escuridão. Ainda consciente. Ouvindo. Eu estava em lugar transitório. Até que comecei ouvir uma voz diferente. A voz de um homem que não conseguia reconhecer.
Ele começou a orar por mim. Quando colocou suas mãos em meu ombro e em minha cabeça, eu senti um peso muito grande. Engraçado. Minha mãe me abraçava tão intensamente, mas só sentia aquelas mãos que oravam por mim. Orava com autoridade repreendendo todo espírito de morte, de acidente, doença... Sério... Ele falou todas as castas demoníacas possíveis... E nada acontecia...
Eu queria dizer para ele que não estava adiantando... E na verdade, nem iria adiantar ele orar daquela forma, repreendendo nada. Ninguém peregrino possuía autoridade espiritual para repreender o ser espiritual por trás de tudo aquilo. -"Vamos!!" - pensei comigo mesma, "Estou ficando sem tempo!! Ore da forma eficaz!!".
Nessa hora, por iluminação divina, aquele homem, finalmente para minha esperança, disse as palavras chaves:
-"Ordeno que o ar entre em seus pulmões agora!! Ordeno que a Peregrina volte a respirar!!".
Quando as palavras "que o ar entre em seus pulmões" ecoaram no mundo espiritual, imediatamente, o ar entrou em meus pulmões, se expandindo novamente. Aquele homem não tinha autoridade para repreender o ser espiritual, mas tinha autoridade para dar ordem ao elemento ar, como está escrito: "Mas quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?". E esse, foi apenas o primeiro milagre daquele dia.
***
A primeira tentativa para te destruir Peregrina não deu certo. Mas certamente, a segunda estratégia vai ser um sucesso. Pois ninguém sabe...
-"Não há sinais. Nem danos visíveis. Nem dor... Perfeito!! Quando perceberem... Será tarde demais!!" - foi o que falou.
***
Abri os olhos e ainda estava caindo abismo adentro... Olhei em volta e comecei a enxergar aquelas almas translúcidas. Eu passava por elas, pareciam fumaça. -"São tantas!!" - eu disse enquanto elas tentavam me pegar pedindo ajuda, mas não possuíam corpo.
-"É exatamente esse o motivo de eu ainda estar aqui!" - bradei. E continuei caindo muito rápido. Esse abismo não tem fim. Parece que estou na transição entre a Segunda Dimensão e a Primeira Dimensão. Calafrios percorriam por todo o meu ser.
Comentários