As Crônicas da Peregrina - O Mundo das Almas - parte 7
- Débora Novaski
- May 6
- 10 min read

Eu ainda ouvia alguns gritos, choros e ranger de dentes. Ouvia correntes sendo arrastadas pelo chão. Ouvia o desespero das almas. Não eram apenas nós, as Crianças que estavam ali. Havia milhares e milhares de almas aprisionadas. Ouvia a angústia. Ouvia a dor. Ouvia o clamor por libertação. Mas não conseguia sentir. Na verdade. Eu não queria sentir. Absolutamente nada. Então, neguei meus sentimentos. E todo o barulho foi ficando cada vez mais baixo. Distante. Muito distante... Até que... Meu coração foi parando aos poucos.
Enquanto sentia meu coração parando, ouvi uma voz bem suave dizendo em meu ouvido direito:
-"Se te mostrares desanimada no dia da angústia, você é fraca e muito pequena é a sua fé!" - disse a própria Fé.
-"Liberte as almas que foram injustamente condenadas à morte e caminham, tropeçando, para o lugar onde serão mortas. Não fuja da responsabilidade, pensando e dizendo que não sabia do caso. Que não sentia nada. Eu o Embaixador Consolador conheço os seus pensamentos e sei muito bem o que se passa no seu coração. Eu dou a cada um a recompensa merecida pelos seus atos. Lembre-se da nossa conversa" - disse em meu coração.
-"A sabedoria é doce como o mel; se você achar, terá recompensa, e a sua esperança não será frustrada!" - disse a própria Esperança em meu ouvido esquerdo.
"Lembre-se da nossa conversa" - essa frase ficou ecoando em meus pensamentos. Eu preciso me lembrar. Mas tenho muito sono. Estou exausta. Eu estava no meu quarto no Reino dos Céus olhando o Jardim. Que saudade do Jardim. Tão belo. Com cores tão vivas. Como eu queria estar no Jardim de novo. O Jardim... Os passarinhos... As flores... O perfume... Então, adormeci.
ANO 5762
Quarto Ciclo de Peregrinações
Vestida com meu pijama, uma calça rosa clara e camiseta branca de algodão, pronta para fechar olhos e dormir. Era quase 22:00, não costumava dormir tão tarde durante a semana por causa das aulas pela manhã, apesar de ser uma corujinha e amar trocar o dia pela noite, o que só fazia nos finais de semana. É lógico que nas férias. Mas faltava um bom tempo para as férias. Era ainda início de Setembro. Arrumei o despertador para as 06:15. Terei quase 8 horas de sono, ótimo!! Bom... Foi o que eu pensei...
E lá pela madrugada, deitada de lado. Algo me fez despertar. Mas não completamente. Sabe quando você está naquele sono profundo e ainda está meio acordada e dormindo. Uma sensação muito esquisita. E de repente, ouvia uma voz, alguém pedindo ajuda. Uma voz feminina... Desesperada.
-"Por favor!! Alguém me ajude!!" - e cada vez ouvia mais alto e nítido em meus pensamentos e ouvidos.
-"Alguém?? Por favor!! Me ajude!!" - e além de ouvir eu comecei a sentir meu coração bater muito rápido, meu corpo começou a se encolher de tanta dor que sentia. Eu me virava de um lado para outro, abri meus olhos e não via nada. Não havia opressão maligna. Nem qualquer presença boa ou ruim dentro do meu quarto. Só aquela voz. Aquela angústia. Aquela dor.
-"Por favor!!! Estou com muito medo!! Está doendo muito!!" - falou a voz em total desespero. Eu não conseguia me concentrar. Era muito intenso.
- "Por favor, Deus. Faça parar. Eu não quero sentir isso" – disse baixinho para Deus. Comecei a tremer. Então, respirei fundo e falei em meus pensamentos em direção aquela voz:
-"Eu estou aqui. Por favor se acalme. Eu vou te ajudar!" - e meu espírito foi transportada para o local de onde vinha o pedido de ajuda. Parecia que eu estava em dois lugares. Em duas dimensões ao mesmo tempo. Acordada e super consciente do mundo espiritual. O meu espírito foi no sobrenatural, mas meu corpo e alma estavam conscientes no quarto. Será que estou tendo uma visão espiritual?
Eu estava ali perto de casa, duas ruas abaixo, parecia que tinha ocorrido um acidente de carro e via uma mulher nos destroços. Foi uma batida feia. Não havia ninguém ali por perto. A não ser eu. No Mundo das Almas. No sobrenatural. E aquela mulher estava em extrema dor. Ela não queria morrer. Mas sentia a morte vindo. Eu também. Ela estava inconsciente em seu corpo físico, mas muito consciente em sua alma e espírito. Era a sua alma que me pedia ajuda.
Eu me aproximei dela. Segurei sua mão e disse:
-"Tente se acalmar. Não vai doer mais. Eu estou aqui do seu lado. Você não está sozinha. Vou te ajudar!" - e quando falei isso, absorvi toda dor e angústia da sua alma para dentro de mim. Eu na verdade, estava mais desesperada que ela. Não fazia ideia de como ajudar. Se fosse no mundo físico, eu teria uma chance de mantê-la viva. Mas assim. Na dimensão espiritual. Não sei o que fazer...
Ainda muito transtornada na cama, tremendo de tanta dor, comecei a sentir dois corações batendo dentro de mim. O meu e o dela. O meu coração de peregrina estava muito acelerado, e o coração dela aos poucos, foi parando. E pensava: "Por favor, não pare!". E aquele coração foi morrendo. "Por favor, se existe alguma possibilidade, não permita que o coração pare! Por favor!".
Sentia o seu corpo desacelerando. "Por favor!! Eu não quero sentir. Está doendo muito!". Até que tudo ficou em silêncio absoluto. Não havia mais dor. Não havia mais vida. Sentia apenas a morte. Parte do meu coração também tinha partido junto com o daquela mulher. Nem sabia o seu nome. Um barulho de ambulância... Tarde demais...
-"Adeus!" - eu disse bem baixinho. E finalmente, meu corpo começou a voltar a normal. Levantei rapidamente e me ajoelhei ao pé da cama e fiz uma oração sussurrando, quase sem forças:
-"Eu nunca mais quero sentir. Eu não quero sentir. Eu não quero nunca mais sentir! Eu fui clara? Eu não quero ter essas experiências. Nem ver. Nem ouvir. Apenas sonhos. Onde estou dormindo. Mas não mais consciente. Eu não estou preparada. Sou muito nova. Só quero ser uma garota normal vivenciando a pré-adolescência. Não tenho estrutura emocional para lidar com isso. É muito intenso. Amém!"- me levantei e fui para o banheiro. Chorei muito. Lavei o rosto e voltei a dormir.
***
Ao meio-dia, ao chegar da escola, ouvia algumas mulheres peregrinas conversando sobre o acidente que tinha acontecido na madrugada. E que infelizmente, uma mulher havia falecido.
-"Você ficou sabendo Peregrina?" - me perguntaram.
-"Não. Eu não assisto jornal" - e rapidamente saí de perto. Não queria saber absolutamente de nada.
***
Hoje eu sinto uma vontade de chorar. De limpar a alma. Liberar a frustração de uma dor, de uma perda, de uma rejeição. Um luto. E as vezes eu sinto como se não fosse minha dor. Mas a dor de alguém. Como se eu fosse um canal para transmutar a dor em alegria. As trevas em luz. Como se eu fosse os olhos que choram as lágrimas de almas angustiadas.
A dor do fim. A dor de um capítulo encerrado. A dor do apego. É difícil deixar ir as memórias, as histórias, as lembranças e as emoções no fundo da nossa alma. Das circunstâncias que não estão em nosso controle. Das mudanças que não nos pertencem agir. Das escolhas que não nos pertencem decidir. Dos caminhos que não vamos trilhar.
Ser uma empata. Ser uma poderosa ferramenta de cura. Um canal. Um coração ferido. Um corpo dolorido. De alguém desconhecido. De uma alma desamparada. De um coração vazio. De uma pessoa morrendo por dentro em vida. Ser assim. Super sensível. Consciente. Com vários dons e talentos. Mestre em energia. Uma antena de tradução espiritual em uma linguagem. Uma ponte do Espírito e da Sabedoria.
Vale da Sombra da Morte
Lágrimas escorriam dos meus olhos e a voz da Peregrina ainda ecoava em meus pensamentos: "Não permita que o coração pare! Por favor!". Despertei daquele sono profundo ainda muito confusa. Não sabia por quanto tempo havia dormido. Com coragem, abri os olhos. A legião de anjos caídos não estava ali. Virei minha cabeça bem devagar para o lado esquerdo e avistei o Laich. Dormindo. Na mesma situação. Em profundo sono. Virei para o lado direito e via Amashyn sentada e dois Dominadores de Mente. Eles a distraíam com ilusões das memórias do Mundo das Almas e assim, se alimentavam de sua energia vital.
"Lembre-se da nossa conversa" começou a ecoar em minha mente mais uma vez. Acredito que decepcionei a Fé, a Esperança e o Embaixador. Eu não consegui resistir, mas agora eu me lembro! "Não importa as Dimensões Espirituais. Eu sempre estou ao lado daqueles que me amam... Não é o Vestido nem a Pedra que é atrativo. É a sua essência. Você é a Luz que brilha!". Essas frases se destacaram. Então, eu fiz uma oração em pensamentos
-"Eu acredito que você, meu querido Embaixador Consolador está aqui comigo agora. Eu escolhi te servir em verdade e ser guiada em amor pelo teu Espírito. Por favor, me mostre o que fazer. Farei exatamente o que me direcionar. Eu nunca estou sozinha. Muito obrigada!".
Então, o Embaixador Consolador me mostrou a visão do quarto segurando o Vestido Vermelho enquanto falava e olhava para a pedra Rubi: "Eu sou a Luz que brilha. A Luz do Rei Elohim é minha essência!".
-"Você é a Luz que brilha. A Luz do Rei Elohim é a sua essência! Todas as respostas já estão em seu coração" - disse.
O Vestido Vermelho. A Pedra Rubi. O Primeiro Fruto. A Luz. Minha essência. Uma Chama. O Azul. O Laranja. Puro Fogo. Então, uma pequena brasa começou a incendiar meu coração, que aos poucos, começou a brilhar. Eu preciso chegar perto do Laich. Ele precisa de ajuda para me ajudar. Mas como vou chegar perto dele sem ser destruída pela Legião dos Anjos caídos?
-"Lembre-se dos Ensinamentos Número Cinco. Tudo o que você aprendeu no Mundo das Almas e nos Ciclos das Peregrinações" - respondeu o Embaixador Consolador.
Então, comecei a me levantar e logo os dois Dominadores de Mente começaram a vir em minha direção. Eles eram sombras que podiam tomar a forma das almas que se alimentavam. E senti uma sombra muito grande se aproximando. A Legião de olhos vermelhos já estava em cima de mim. Me coloquei em pé e bradei em alta voz, para todos ouvirem:
-"Se eu voar para as partes mais distantes do oceano com os primeiros raios da manhã, até ali a Tua mão dirigirá os meus passos e o Teu poder me dará forças para ficar de pé! Se eu tentar me esconder de Ti na escuridão, Tu transforma a noite em dia claro. Para Ti, a escuridão nada esconde, a noite mais escura é dia claro!" - e a pequena chama em meu coração se expandiu para todo o meu corpo.
E rapidamente a Legião como uma sombra de imensas trevas veio para cima de mim, tentando abafar o fogo. E gritavam com muito ódio:
-"Aqui não!! Vamos te dominar! Aqui só existe Escuridão! Vamos te destruir". Era uma força muito poderosa que tentava se apoderar de mim. Eu mal conseguia suportar tanta opressão. Lembrei da Peregrina quando absorveu a dor daquela mulher. E eu fiz o mesmo. Sem hesitar. Absorvi toda a Escuridão. Como aquela Legião desejava. Éramos um. Meu corpo perdeu o brilho. Só restava Trevas em mim. E quando minha essência estava quase acabando, em um grito de dor eu disse:
-"Para Ti, a Escuridão e a Luz são a mesma coisa!" - e toda Escuridão se transformou em uma Luz que além de cobrir meu corpo, se expandia. A Legião havia se dissipado completamente.
Eu fui em direção ao Laich, fiz uma roda de fogo ao nosso redor para nenhum Anjo Caído e outras Legiões se aproximarem. A luz atrai as trevas assim como uma mariposa é atraída pelo fogo. Eu preciso ser rápida. O Laich estava tão inconsciente quanto eu.
-"Laich, vamos! Acorde! É a Shey! Preciso da sua ajuda!!" - eu disse em seus ouvidos enquanto o chacoalhava para fazê-lo despertar. Mas nenhum resultado.
-"Vamos Laich!! Lute!! Acorde!! Vamos!! Não temos muito tempo!!" - e nada. Parecia que seu coração não batia mais. Essa não!! Será que é tarde demais? O que devo fazer? Coloquei minha mão esquerda em seu coração e minha mão direita em sua testa e declarei:
-"É impossível fugir do Teu Espírito! Em lugar algum conseguirei me esconder de ti, meu Criador! Se eu subir bem alto em direção ao céu Tu estás lá! Se eu quiser descansar no reino dos mortos, lá também Te encontrarei. Desperta, ó tu que dormes! Levanta-te dentre os mortos e a Luz resplandecerá sobre ti!" - e instantaneamente, seus olhos se abriram. Seu coração voltou a bater.
-"Quem é você?" - me perguntou ainda muito confuso.
-"Eu sou a Shey! Preciso de ajuda!".
-"A Shey? A Shey tem olhos roxos. Os seus são vermelhos! Mas a sua voz é muito parecida".
-"É porque eu sou a Shey. A Criança Número Cinco. Não somos um Casal, mas sim Parceiros!". Ao falar isso, ele estava convencido e começou a se levantar devagar, ainda muito fraco.
- “De onde veio esse fogo? O que está acontecendo? Onde estamos? Por que seus olhos estão vermelhos?".
-"Estamos na Segunda Dimensão Mais Baixa. No Tártaro. Chamado Hades. Especificamente no Vale da Sombra da Morte e precisamos sair daqui!!Agora!!".
-"Não acredito que o Mestre Orelyam nos mandou para cá. Isso é aterrorizante. Somos apenas crianças. Como vamos sair daqui sem sermos destruídos?".
-"Eu já sei como, mas preciso da sua ajuda. O Mestre Orelyam falou que devemos saber o fundamento básico do poder, de como fluir. Saber a nossa essência. Por isso estamos sem as ferramentas. Porque na verdade, não precisamos delas".
-"Não precisamos? Como assim?".
-"Todos nós, fomos escolhidos cada um pelos Sete Espíritos, por causa da nossa essência e não por causa do desempenho na Escola de Treinamento, no Mundo das Almas".
-"OK. Mas isso significa especificamente?".
-"Significa que já possuímos em nossa origem primordial a essência dos Sete Espíritos do Rei Elohim, antes mesmo de sermos enviados para o Mundo das Almas. Minha origem, por exemplo, é uma Alma em Chamas. A sua origem é da Tribo do Fogo. Por isso meus olhos estão vermelhos..." - e continuei a explicar o que havia acontecido e como consegui derrotar os Dominadores e a Legião.
-"Faz sentido Shey, mas não sei se consigo te ajudar. Estou muito fraco e eu não tenho a Conexão com o Fogo aqui nessa Dimensão" - me respondeu completamente cético.
-"Sozinha eu não consigo proteger todos. Você precisa se conectar novamente com sua origem... Já sei!! Olhe dentro dos meus olhos" - e ele fez isso. Olhou profundamente.
-"Lembre-se do Fogo. Da Origem. Do espírito. Da união. Do azul como os seus olhos. Do laranja. Do vermelho como os meus olhos. Do Primeiro Fruto. Da Pedra Rubi" - e enquanto falava, dentro daquele olhar azul celeste, uma brasa começou a resplandecer.
-"Deixe queimar. Deixe incendiar todo o seu ser!!" - e seus olhos estavam completamente alaranjados e continuei:
-"Laich, você é o Guardião do Fogo. Você é a Criança Número Um. Você é a Criança Vermelha!" - agora seus olhos eram como uma brasa viva.
-"Deu certo Shey!! Olhe para meu coração. Está em chamas!!" - disse todo empolgado enquanto estendia aquele fogo por todo corpo.
-"Agora você tá parecendo um Serafim!!" - e demos risadas. Ele me abraçou muito forte, me envolvendo com o fogo e disse:
-"Essa sem dúvida foi a experiência mais importante da minha existência. E não aprendi com o Mestre Orelyam. Foi você que me ensinou!! Muito obrigado!!".
-"Nós dois podemos manter uma roda de fogo ao redor das outras Crianças e achar a saída. Mas primeiro, temos que achar quatro objetos" - eu expliquei para o Laich.
-"Quatro objetos? E você sabe onde estão?".
-"Mais ou menos. Acredito que esteja no meio do Vale".
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